A coluna anterior terminou com uma afirmação que talvez tenha surpreendido alguns leitores: a de que a solução para o problema da fabricação de complexos circuitos integrados em minúsculas pastilhas de silício estava na indústria de biscoitos. Que, por estranho que pareça, é absolutamente verdadeira.
É claro que a solução não consistiu no emprego da tecnologia de fabricação de biscoitos para criar circuitos impressos, mas apenas na ideia genial de aproveitar para isto a estrutura de um tipo de biscoito. Mais especificamente no biscoito em camadas, conhecido como “wafer”, como o mostrado na Figura 1.

A estrutura de um “wafer” é constituída de camadas superpostas. No biscoito, geralmente as camadas se alternam entre uma de biscoito seco e uma de recheio cremoso e assim sucessivamente. Foi esta ideia que resolveu o problema da fabricação de CIs.
Mas que problema seria este?

Repare na Figura 2. Na parte de cima ela mostra uma imagem que provavelmente os que acompanham esta série haverão de reconhecer, pois já foi usada para ilustrar esquematicamente a estrutura do transistor planar concebido por Jean Hoerni. Já na parte de baixo ela mostra um corte esquemático de um trecho de circuito integrado onde se pode distinguir três transistores, designados na figura como TR1, TR2 e TR3, cada um deles com seus três terminais, Emissor “E”, Base “B” e Coletor “C”. A primeira coisa que chama a atenção é que o corpo do CI é constituído por camadas, como o de um biscoito “wafer”: na parte inferior uma camada de silício para servir de base de sustentação, acima dela uma camada isolante de óxido de silício na qual se assenta mais uma camada de material semicondutor onde são acrescentadas as impurezas para formar os transistores, como vimos ao discutirmos o transistor planar. Mas hoje o que nos interessa diretamente é a conexão elétrica entre os terminais dos transistores. Na figura, estas conexões são mostradas como linhas vermelhas acima da superfície do CI. Uma delas, a da esquerda, conecta o coletor de TR1 com o emissor de TR2 e a da direita conecta o coletor de TR2 com o emissor de TR3. Criar estas conexões – e, naturalmente, todas as demais que formam o circuito eletrônico dos transistores do CI – é o maior problema prático do processo de fabricação destes componentes.
Vamos ver como isto pôde ser resolvido usando uma estrutura em camadas.

Repare na imagem assinalada com o nr. 1 da Figura 3. Suponha que ela seja um trecho circular da camada de semicondutor de um circuito impresso e os pequeninos círculos azuis são terminais de transistores “embutidos” neste semicondutor. E suponha ainda que sua tarefa seja conectar os três terminais da esquerda aos três terminais correspondentes da direita. Agora imagine que o diâmetro do círculo acinzentado seja, digamos, meio milímetro. Como ligar pontos tão minúsculos e tão próximos com filetes de material condutor?
Bem, primeiro vamos cobrir toda a superfície do CI com uma camada finíssima de material fotossensível (ou seja, cuja natureza pode ser alterada com a aplicação de um feixe de luz). Esta camada é mostrada em marrom na imagem assinalada com o nr. 2.
Isto feito, com um dispositivo ótico de extrema precisão (na verdade um conjunto de lentes altamente sofisticadas usadas em processos fotográficos de manufatura), aplica-se um forte feixe de luz apenas nas faixas mostradas em amarelo na imagem assinalada com o nr. 3. Ao receber luz, aquele trecho da camada fotossensível tem sua natureza alterada de forma que, quando a superfície é “lavada” com uma mistura de produtos químicos apropriados, o trecho que recebeu a luz – e apenas ele – é dissolvido e removido da camada fotossensível. O resultado é mostrado na imagem assinalada com o nr. 4: a camada marrom agora exibe três sulcos paralelos, vazios, ligando os pequenos círculos azuis situados abaixo deles.
A etapa seguinte é mostrada na imagem assinalada com o número 5: despejar uma quantidade pequeníssima de um condutor elétrico fundido (em geral cobre ou ouro) que enche os três sulcos da camada marrom e esperar que se solidifique. Isto feito, basta remover os restos desta camada marrom com os solventes apropriados e o resultado é visto na imagem assinalada com o nr. 6: três linhas metálicas ligando dois a dois os terminais a serem conectados. Problema resolvido.
Quer dizer: quase resolvido. Porque, exceto em casos especialíssimos, os circuitos elétricos dos CI são muito mais complexos e exigem um número extraordinariamente grande de conexões que não são tão simples como as mostradas na Figura 3.
Por exemplo: imagine que um dos condutores metálicos mostrados em verde na imagem assinalada com o nr. 6 precise ser conectado a um novo condutor que, no entanto, não deve entrar em contato com os outros dois. Como fazer isto?
Bem, um simples exame da figura mostra que, na medida em que aumenta o grau de complexidade do circuito, torna-se impossível efetuar esta conexão no mesmo plano dos três condutores. O quarto condutor precisa passar acima deles. E é aí que a concepção de fabricação em camadas, tipo “wafer”, mostra sua utilidade em toda a plenitude. Veja a Figura 4.

Repare na imagem assinalada com o nr. 1 da Figura 4. A base azul é o substrato de material semicondutor onde se formam os transistores e o trecho amarelo é um condutor que une dois terminais. Agora imagine que seja necessário estabelecer uma ligação elétrica entre este condutor e um segundo, que passe transversalmente acima dele.
O primeiro passo é espalhar sobre a superfície do conjunto uma camada de material fotossensível e, no ponto onde se deseja estabelecer o contato, criar um orifício cilíndrico que a atravesse usando a mesma técnica fotográfica descrita acima, enchendo posteriormente este orifício com um material condutor. O resultado é o mostrado na imagem assinalada com o nr. 2: o condutor amarelo em contato com um pequeno trecho vertical, cilíndrico, também de material condutor.
Em seguida, usando uma técnica virtualmente idêntica à anteriormente descrita, aplica-se uma segunda camada de material fotossensível acima de primeira, mais fina que esta (imagem assinalada com o nr. 3) e nela cria-se o segundo filete condutor (imagem assinalada com o nr. 4), que portanto ficará diretamente em contato com o pequeno cilindro vertical e, em consequência disto, com o primeiro filete condutor abaixo dele. Assim, se pode ligar qualquer condutor ou terminal de um CI a qualquer outro condutor ou terminal. O resultado final ficará muito parecido com um labirinto tridimensional, mas funciona.
É claro que tudo isto está muito simplificado, mas essencialmente não difere muito da realidade. Circuitos muito complexos são formados por diversas camadas superpostas que formam um conjunto intrincadíssimo de filetes condutores, transistores, resistores (que podem ser criados usando um material de maior resistividade elétrica em vez de cobre ou ouro nos filetes), capacitores (que utilizam a capacitância de condutores paralelos), o diabo. Desta forma, circuitos extraordinariamente complexos são criados, como o mostrado na Figura 5, obtida no verbete “Semiconductor device fabrication” da Wikipedia (cuja consulta recomendo).

A ideia essencial é esta. Aqui não há espaço para descer a detalhes interessantes (por exemplo: como criar uma camada de material com milionésimos de milímetro de espessura? Ora, derramando uma gota deste material derretido no centro de uma placa circular que gira a dezenas de milhares de rotações por minuto e esperando que a gota se espalhe por toda a superfície até chegar à espessura desejada).
Mas para quem tem conhecimentos do idioma inglês e deseja estender seu conhecimento, recomendo particularmente três vídeos que podem ser encontrados no You Tube: “Chip Manufacturing Process – Philips Factory”, “Silicon Run Etch” e “Semiconductor manufacturing process vídeo”.
Pronto, estamos quase chegando ao final da série.
B. Piropo