Richard Stallman é conhecido por manifestar opiniões extremas e agora seu alvo é a Canonical, que distribui a popular distribuição Ubuntu. Stallman fundou em 1985 a Free Software Foundation (FSF) e, desde então, é o comandante vitalício do movimento Software Livre associado a ela – possivelmente o mais radical entre os grupos associados aos softwares distribuídos com liberdade de modificação e redistribuição do código.
Na semana passada, enquanto circulava em uma série de eventos relacionados ao seu movimento aqui no Brasil, ele publicou no site da sua Fundação um longo manifesto recheado de palavras duras já a partir do título, que questionava o que fazer a respeito do “Ubuntu spyware”.

A causa da manifestação stallmaniana é a decisão do Ubuntu de passar a oferecer, nas buscas efetuadas no desktop, resultados de produtos disponíveis para compra online associados ao que o usuário pesquisou, o que naturalmente envolve enviar aos servidores da Canonical (e compartilhar, ao menos em parte, com os servidores da empresa de comércio eletrônico envolvida) informações obtidas no desktop dos usuários – comportamento que para ele sempre esteve mais associado aos softwares proprietários e ao que o movimento procura combater.
Stallman não é o primeiro a criticar o efeito que esse envio e compartilhamento de dados dos usuários pode ter sobre a privacidade: a Electronic Frontier Foundation (EFF) usou palavras mais brandas mas deixou bem clara, já em outubro deste ano, sua avaliação de quais os riscos envolvidos, e propôs que tal recurso deveria ser desativado por default e ativado só pelos usuários interessados. Além disso, segundo ele, é necessário haver maior controle sobre seu uso e transparência sobre como os dados são armazenados, processados e compartilhados.
Mas foi o artigo de Stallman que repercutiu. A primeira resposta da Canonical, ainda que indireta, veio no blog oficial da companhia, avisando que na próxima versão do Ubuntu haverá ainda mais opções de compras diretamente a partir dos recursos do sistema operacional. Ele acrescentou ainda, no parágrafo final, um comentário sobre como a privacidade é importante para a empresa, assegurando que cuida bem dos dados que recebe, e destacando que existe como desativar o recurso nas configurações do sistema.
A segunda foi mais direta, mas veio de um gestor da empresa que disse que suas opiniões “não necessariamente” refletem a posição da Canonical. E em seguida afirmou o que pensa sobre a manifestação do fundador da FSF, também usando palavras fortes: “infantil”, “míope”, “FUD”.
Esta última, que é a sigla em inglês para “Medo, Incerteza e Dúvida”, se refere inclusive à afirmação de Stallman de que não há justificativa possível para o que a Canonical fez e ao seu chamado para que os líderes da comunidade não se limitem a desativar o recurso e continuar usando o Ubuntu: ele pede que parem de recomendá-lo, de oferecê-lo em eventos, de instalá-lo nos computadores dos usuários em Install Fests, etc.
Faz sentido?
Na minha opinião, o aspecto mais curioso na história é que o Ubuntu já não consta na pequeníssima lista de distribuições que a Free Software Foundation (e seu líder Stallman) recomendam e aprovam. Ela até patrocina uma distribuição baseada no Ubuntu, mas removendo as partes do sistema que considera incompatíveis com seu movimento.
Ainda assim, o barulho provocado por Stallman, e melhor fundamentado na versão apresentada pela Electronic Frontier Foundation tem alguma razão de ser se descontarmos a forma: havendo preocupações com a privacidade relacionadas a um novo comportamento de um sistema, a situação merece ser investigada, debatida e ajustada, e meras declarações de que “cuidamos bem dos seus dados e o recurso pode ser desativado” passam longe de tratar dos aspectos que a EFF destacou de forma específica, por exemplo.
Por outro lado, desta vez não se trata de uma questão de direitos ou licença por parte do distribuidor: a Canonical tem o direito de transformar seu popular produto em plataforma comercial, e o maior limite real quanto aos dados que pode obter de seus usuários - e o que pode fazer com eles - é dado pela legislação e não pelos posicionamentos de Richard Stallman, da FSF ou da EFF.
Mas existe outro fator limitante em jogo, e sobre este o Dr. Stallman e as fundações têm influência: a atitude dos usuários. Francamente acredito que o impulso que o Ubuntu já tem permitirá que a Canonical ganhe esta queda de braço. No entanto, acredito que os próprios usuários e entusiastas da distribuição estariam melhor servidos se as recomendações da EFF fossem atendidas: ativação e uso opcionais e transparência sobre o tratamento dado às informações. Mas não tenho grande expectativa.